O "contexto" em arquitetura se tornou um assunto alvo de discussões e debates ao longo dos anos. E, na realidade, não possui uma grande relevância no sentido formal e tipológico. Tomemos, por exemplo, as formas fluidas que compõem as centenas de projetos de Zaha Hadid ao redor do mundo, ou as composições explodidas de Frank Gehry vistas na África do Sul e também no inconfundível Guggenheim de Bilbao. A forma que a arquitetura toma nestes casos, e em diversos outros, é uma completa desconsideração ao contexto em seu sentido literal.
Mas é um erro desconsiderar o contexto? Os observadores diriam freqüentemente que sim, embora eu discorde. Tem se tornado frequente que projetos desta natureza, abertamente formais e nem sempre bem ajustados em relação aos seus entornos históricos, tomem um posicionamento quanto às questões urbanas que têm impacto direto sobre os habitantes da cidade. É muito simples, hoje em dia, uma arquitetura bem sucedida é aquela que serve culturalmente e praticamente à sociedade, abordando os problemas das cidades do século XXI e lidando com o contexto de maneira a buscar soluções, indo além da estética (cujo valor é apenas temporário) e em direção a um urbanismo que investe no futuro. Um exemplo? A cidade onde moro: Beirut, Líbano.
Exemplos no Líbano que ilustram esta nova abordagem ao contexto na continuação.
O Instituto Issam Faris na Universidade Americana de Beirut
O projeto de Zaha Hadid para o Instituto Issam Faris no campus histórico da Universidade Americana de Beirut, no Líbano, é um projeto freqüentemente criticado por sua forma intrusiva em um entorno sensível. No entanto, observar o projeto com maior atenção, não se pode deixar de notar as admiráveis decisões tomadas em seu desenvolvimento, decisões que oferecem uma ousada abordagem à quase dramática falta e espaços verdes no Líbano - especialmente em Beirut.
Em primeiro lugar, a proposta oferece acesso a uma grande e previamente desconectada área do campus, tanto a partir do edifício quanto a partir da rua. Ao mesmo tempo em que esta estratégia beneficia os usuários do edifício e do campus em geral, ela tem um impacto ainda mais significante em uma escala maior. A mensagem é simples: se há alguma área de vegetação, permita que as pessoas cheguem até lá facilmente.
A dificuldade dos trajetos de pedestres em Beirut é também abordada no projeto, que possui rampas de conexão entre diferentes níveis topográficos e entre os diferentes pavimentos do edifício, diminuindo as desconexões do terreno e melhorando, desa forma, a acessibilidade. As rampas dedicadas aos pedestres surgem como uma forte resposta à situação local em que os cidadãos normalmente têm que lutar contra automóveis e comerciantes de rua por um espaços para caminhar.
O Campus da Universidade Libanoamericana em Byblos
Assim como o Instituto Issam Faris, o campus da Universidade Libanoamericana em Byblos aborda de forma similar a necessidade de se preservar os espaços verdes desta região de rápida urbanização. Em 1991, Samir Khairallah and Partners foram convidados a projetar um campus com seis edifícios em uma íngreme colina que varia de 200 a 500 metros acima do nível do mar. Os arquitetos decidiram agrupar o campus inteiro adjacente à uma importante rua de de pedestres, uma decisão que interferiria o mínimo possível na área de vegetação existente.
Samir Khairallah and Partners assumiram os diferentes níveis da topografia do terreno, conectando o campus através dos próprios edifícios. Cada edifício pode ser acessado por dois níveis diferentes, alguns por até quatro, permitindo que os usuários transpassem a topografia quando possível e conectando o projeto com a colina em que se situa. Até mesmo a rua central existe em três diferentes níveis que se deslocam de acordo com a topografia. Os arquitetos mostram seu respeito à natureza ao mesmo tempo que permitem uma circulação fácil e prática para os estudantes da universidade.
O Campus de Esportes e Inovação da Universidade de Saint Joseph
Diferentemente dos dois exemplos anteriores, o campus de esportes e inovação da Universidade de Saint Joseph se localiza em uma região bastante densa de Beirut. Os projetistas, Toussef Tohmé e 109 Architects, conceberam o projeto como seis estruturas independentes que cercam um espaço comum aberto muito bem definido. Este espaço é arranjado de modo a não possibilitar construções nem ser utilizado como estacionamento - um destino comum à espaços semelhantes em Beirut. De fato, ele age como o núcleo do projeto, servindo como passagem entre as seis estruturas independentes e como pano de fundo para o teatro principal.
Esta configuração é derivada da simples decisão de transformar o espaço externo em um pátio central - uma resposta direta ao problema local dos espaços públicos - enquanto que o jardim de cobertura aborda a mesma questão em uma situação diferente. O projeto se coloca desajeitadamente em seu entorno, dando muito pouca atenção aos edifícios e vazios nos quais está imerso, porém, propõe ideias que podem ser uma fonte de mudanças para a cidade.
Estes três projetos se aprofundam muito na estrutura dos locais onde estão inseridos, abordando problemas menos óbvios, porém mais sérios de modo prático e impetuoso. Seus gestos trazem a relação com o contexto a um nível de racionalidade sem precedentes. Sob as luzes da urbanização agressiva que o mundo vivencia, é chegada a hora de superarmos as aparências e focarmos em como a arquitetura lida com o seu entorno. Afinal, se a arquitetura serve às pessoas em seu contexto local, deveríamos mesmo nos preocupar se ela se coloca timidamente ou não ao lado de um edifício histórico?